O Que Ninguém Te Conta Sobre A Raiva E A Depressão

Já te sentiste tão frustrada/o e reprimida/o que, mesmo a mais pequena coisa que aconteça parece combustível para te fazer perder a cabeça e explodir?

 

Quando estamos no limiar da raiva, há um conjunto de sentimentos que se começam a entrelaçar como a irritabilidade, frustração, tristeza, ansiedade, stress e agitação. A irritabilidade, em particular, pode ser como um poderoso combustível e, num ápice, incendiar as nossas relações.

Quem sabe te irritas só por alguém te fazer uma pequena pergunta?

Ou quando o cão ladra a pedir atenção?

Ou mesmo quando estas a tentar fechar uma gaveta, que tem algo a impedir o fecho e, num abrir e fechar de olhos dás por ti a arrancar a mesma num ataque de fúria?

 

Reconheces-te?

Sabias que, muitas vezes, a irritabilidade e a raiva estão associadas a estados depressivos?

Tipicamente quando pensamos em depressão, pensamos nos sintomas clássicos: tristeza, falta de energia, insónia, mudanças no apetite, e por aí fora. Contudo, por vezes, a depressão mascara-se numa diferente constelação de sintomas, especialmente em crianças e jovens adultos. Na verdade, nas crianças, a tristeza pode mesmo nem estar presente e a irritabilidade pode ser o sintoma mais proeminente num estado depressivo, o que se verifica através dos seus comportamentos. Se isto é verdade para as crianças, cada vez mais se começa a encontrar evidência em como o meso acontece com os adultos.

Freud costumava referir-se à depressão como a raiva que se volta para dentro.

Enquanto alguns de nós vêem esta definição como muito simplista, começam a não existir dúvidas de que a raiva tem um papel muito importante no que toca aos estados depressivos.

Dado o seu carácter intenso, e muitas vezes destrutivo, a raiva não é uma emoção que se fale com tanta facilidade, muito menos quando associada a estados depressivos.

Sabias que a investigação tem vindo a concluir que a raiva se assume como uma emoção importante e pouco estudada no desenvolvimento, manutenção e tratamento de desordens emocionais?  

 

Dá que pensar não achas?

No que diz respeito, especificamente à depressão, a ciência tem vindo ao encontro do pensamento de Freud: um estudo do Reino Unido, em 2013 sugeriu que direcionar a raiva para dentro de nós próprios, contribui para a agudização e severidade do estado depressivo.

 

Quem se identifica com isso?

Na verdade, e a prática clínica tem vindo a comprovar isso, muitas pessoas que se encontram a atravessar estados depressivos partilham uma luta interna: a de direcionar a raiva contra elas próprias.

Já te deste conta como a tristeza, aquela tristeza que se transforma numa angústia profunda e desamparo nos leva, muitas vezes, a direcionar para nós próprios uma ira profunda?

Interromper este processo interno é desafiante, pois é complicado reconhecer como nos tratamos de forma tão corrosiva e tóxica.

As pessoas que sofrem de depressão têm, quase sempre, um conjunto de vozes internas críticas que perpetuam sentimentos de vergonha, insuficiência e falta de merecimento. Quando escutam este crítico interno, não só ficam mais deprimidas, como também se torna muito mais difícil “lutarem” contra este estado. A voz crítica ganha espaço. Estas vozes contam estórias sobre não sermos suficientes, não sermos amados, não fazermos nada correto. A longo prazo estas vozes críticas tornam-se na nossa voz, tornam-nos reféns, o que alimenta ainda mais estes estados.

Aprendermos a identificar e dialogar com estas vozes críticas, pode ser altamente libertador. Contudo, isto também significa entrarmos em contacto com estados profundos de vulnerabilidade ao olharmos para aquilo que nos dói e nos faz falta.

Escutar estas vozes, e ir ao encontro das suas necessidades, é um dos caminhos para redirecionarmos a raiva para fora e expressá-la desde o ponto certo, sem a enviarmos para direções indesejadas.

Para isso, precisas, também saber que existem dois tipos de raiva: adaptativa e a não adaptativa.

Se por um lado a adaptativa surge como uma resposta que nos motiva a sermos assertivos e a sabermos os nossos limites e como colocá-los, a não adaptativa causa-nos desconforto e enreda-nos nas suas toxinas.

Quando expressamos a raiva de uma forma adaptativa, podemos sentir-nos menos sobrecarregados/as, mais libertos e em contacto com quem somos de verdade. Como, por exemplo, quando identificamos a raiva e percebemos que nos estamos a sentir injustiçados/as e somos capazes de expressar, desde o ponto certo, consciente e com presença, os nossos limites e as nossas necessidades.

Por outro lado, esta raiva mais tóxica e não adaptativa, ao nos prender nas suas teias pode contribuir para maiores níveis de vitimização, mau humor e sentimento de injustiça e desalento. Exemplos deste tipo de raiva em relação a nós próprios podem incluir sentirmo-nos híper críticos para connosco próprios, sentirmos ódio por nós próprios ou vermo-nos como pessoas fracas, patéticas ou desamparadas. As respostas gerais que resultam de uma raiva não adaptativa são baseadas em esquemas emocionais baseados em experiências traumáticas do nosso passado. Muitas vezes, a nossa voz crítica interna está na raiz deste tipo de raiva, levando-nos a permanecer num estado de frustração, ansiedade, depressão e sofrimento.

 

Por onde passa a solução?

A solução está em olharmos de frente para estas emoções, permitindo-nos percorrer esses territórios mais sombrios com amor e compaixão. Este movimento pode ser um processo vital na ajuda a lidar com a depressão.

Esse caminho passa por darmos voz às nossas vozes críticas: abrirmos espaço à sua expressão, escutando o que têm para nos contar, dando espaço para que os sentimentos associados à raiva, e os pensamentos que daí advêm, possam ser expressos. Passa por darmos lugar à inteireza de quem somos: luz e sombra só existem uma com a outra.

Quando essas vozes saem cá para fora, começamos a sentir-nos separadas das suas atitudes mais duras e críticas, o que nos permitirá ter insights muito importantes, e esclarecedores, desde onde todo este sofrimento se originou. Tudo isto ajuda-nos a olhar-nos desde um lugar onde é possível observar o que está a suceder, ao mesmo tempo que são trabalhadas as vozes que nos permitem colocar-nos num ponto de vista mais amoroso e compassivo para connosco próprias/os, com a nossa história, permitindo-nos expressar-nos com liberdade. É aqui que nos possibilitamos ser quem somos.

À medida que damos voz, retiramos cá para fora, os nossos pensamentos mais negativos e a raiva associada, conseguimos libertar-nos do poder da voz crítica, não a negamos nem a fazemos desaparecer, ela simplesmente perde o seu impacto pois, cultivamos uma atitude mais compassiva para connosco e aquilo que nos sucede. Honramos quem somos e a nossa história, reconhecendo o que há momento a momento, sabendo que não há nenhum lugar em particular onde tenhamos que chegar. Simplesmente temos direito de expressar o que nos vai dentro, sabendo que isso faz de nós, simplesmente, seres humanos.

Tudo isto não significa que passamos a negar, as nossas lutas ou contratempos, mas significa sim que abraçamos tudo o que nos vai dentro, tudo o que vai e vem na nossa mente e coração com a compaixão. Permitindo-nos ser. Permitindo-nos sentir o que há aqui e agora com o que nos toca viver.

 A investigação, tem estado a nosso favor neste campo, demonstrando que a prática da auto-compaixão pode reduzir, significativamente estados depressivos. Um estudo em particular, sinalizou que as crenças irracionais e não adaptativas estão na base do desenvolvimento de estados depressivos mas que, contudo, a prática continuada de auto-compaixão ajuda a combater essas mesmas crenças e estados depressivos. Vai até um pouco mais longe, dizendo que isto acontece “especialmente na componente da generosidade na prática da auto-compaixão, moderadora da relação irracional entre crença e depressão.” Assim, o objetivo primário para alguém que se encontra a sofrer com emoções relacionadas com estados depressivos, passa por se tratar a si própria e aos seus sentimentos, tal como tratariam uma pessoa amiga ou uma criança a precisar de amor. Não se trata de sentirmos pena de nós mesmas/os, mas sim sentirmo-nos fortes e merecedores/as de agarrar a vida com tudo o que de bom ou mau ela tenha.

Em última instância, aceitar que a raiva, para quem sofre de depressão, pode desempenhar uma ferramenta empoderadora no caminho em direção ao bem-estar e serenidade.

Quando as pessoas expressam a sua raiva de uma forma mais consciente e presente, livre de julgamentos e culpas, elas sentem-se menos deprimidas. Aceder e expressar esta raiva não se trata de uma passagem ao ato, ser explosivo ou amargo em relação ao que nos rodeia. Na verdade, significa exatamente o oposto. É um ato de regressarmos à nossa pele, ao nosso lugar, ao nosso corpo e aceitarmos que não somos quem as nossas “vozes” nos contam que somos. É um processo em que enfrentamos as dores e sombras, mas também o nosso inimigo interno que, com frequência, nos afunda no sofrimento. Quanto mais nos colocarmos do nosso lado, observando estes movimentos internos e o seu ímpeto em explodir cá para fora, mais compassivos e vivos nos podemos sentir face a qualquer desafio, incluindo os estados depressivos.

A noção de uma depressão mais irritável ou agitada já tem vindo a ser tema de investigação dentro da saúde mental, contudo ainda não foi suportada clinicamente para um diagnóstico mais formal. No entanto, ela está aí e existe. É importante falarmos sobre ela e desmistificarmos.

Tu Podes Fazer a Mudança

Vamos explorar. Vamos conversar sobre como podemos encontrar a mudança.
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